Doces lembranças de uma vida anônima e apaixonada.
Por que a rainha que parte do seu próprio reino na mais perfeita alegria rumo à floresta encantada deixa o seu reino sofrendo às lágrimas esperando pelo seu retorno?
Não seria prudente que a alegria da rainha fosse a mesma do seu povo?
- Fica em tua terra, rainha desobediente! Ou então jogaremos teu corpo na fogueira. – Disse o chefe da guarda real. - A fogueira arde, e assim com o fogo da destruição tu serás aniquilada como pecadora. Fica, pois, traíra, que seu destino real é a morte!
O rei já estava furioso, mas com todo cavalheirismo que lhe era comum, deu-lhe um anel que simbolizava a paz entre eles e submeteu-a ao julgamento.
O rei não podia endeusá-la, ali ela era apenas uma rainha, ela era o que era e fazia apenas o que deveria fazer, e isso era bom. Mas, na floresta encantada,ela podia ser o que bem quisesse. Porém, lá não poderia permanecer, pois havia uma nação sofrida pela sua ausência.
Então a rainha regressou, foi inocentada perante o julgamento e trouxe a alegria de volta para o povo de Karshan.
Durante sua estadia no reino lembrava-se dos momentos que havia vivido tão ilicitamente na floresta, até o dia em que o ogro sábio disse-lhe umas verdades a respeito daquela conduta despretensiosa que beirava ao instintivo animalesco e não era própria de uma respeitosa rainha. Ela vivia em trapos sujos, mal comia e parecia mesmo estar enfeitiçada... Só depois que o ogro pôde auxiliá-la a lembrar do que estava fazendo naquela floresta é que ela lembrou-se do reino e tomou em si um sentimento de culpa que lhe arrastava novamente a Karshan. E lá estava, em sua incólume consciência.
Porém, a boa comida que lhe era servida amargava em seus lábios, o amor do rei não parecia ser aquele amor divinizado que estamos acostumados a assistir nos teatros.
Será que ela estava condenada por toda eternidade?
A rainha havia de existir, mas não se sentia nenhum pouco nobre naquelas condições e, também, jamais voltaria para a floresta, lá não era o seu lugar, seria mais justo sofrer do que fazer todo o seu reino infeliz, eis sua condição.
Se a floresta não era o seu lar e o reino não podia saciar a sua alma, e tão pouco não lhe restava sangue frio para livrar-se de si mesma, a rainha penava e tentava entender a cada dia o que poderia fazer de melhor por si e pelo reino. Não era muito fácil, mas o seu caráter investigativo que minava uma séria sensibilidade também aguçava o seu gosto pelos desafios e pelas soluções dos problemas mais intrínsecos a Karshan, aqueles onde nenhum rei ousou tocar! Aos poucos, e ao longo dos anos que se passavam de forma tão lenta, a rainha se permitia observar mais e mais sobre a realidade ao seu redor, e era tida como uma fiel e valente governanta, mesmo por trás daqueles olhos meio baixos e do corpo meio fraco. E foi assim que sua fama se espalhou e até hoje Karshan celebra a vida da rainha Erna com cânticos e hinos, inclusive com esses versos de Walt Whitman que ela costumava repetir sempre para si mesma:
“Velas ao mar, navegando as águas mais profundas,
Óh, Alma ousada, exploremos, eu e você, só você e eu,
Nosso destino é lá onde nem os marujos ousaram ir.
Arrisquemos o navio, nós mesmos, tudo.
Óh, minha alma corajosa!
Para longe, ainda mais longe, corra!
Ó alegria louca, mas segura! Não são os mares todos de Deus? Para longe, ainda mais longe, corra!"
Óh, Alma ousada, exploremos, eu e você, só você e eu,
Nosso destino é lá onde nem os marujos ousaram ir.
Arrisquemos o navio, nós mesmos, tudo.
Óh, minha alma corajosa!
Para longe, ainda mais longe, corra!
Ó alegria louca, mas segura! Não são os mares todos de Deus? Para longe, ainda mais longe, corra!"
FIM
Obs: essa historia foi de uma rainha, mas poderia ser também de qualquer outra pessoa.